O ministro da Economia e Planeamento, Sérgio Santos, solicitou hoje, em Ndalatando, aos operadores da sector agrícola do Cuanza-Norte a organizarem-se em cooperativas vocacionadas para a produção de algodão em grande e escala. Bom. Na impossibilidade de passar das palavras às acções, o Governo opta por repetir ao longo dos anos as mesmas receitas, as mesmas soluções, as mesmas propagandas.
Sérgio Santos afirmou que esta é uma forma de inverter o quadro de dependência em matéria-prima importada pela fábrica têxtil do Dondo, no quadro do Programa de Apoio a Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI).
O ministro, que falava na abertura de um encontro de auscultação dos principais constrangimentos enfrentados pelos produtores locais, informou que o seu pelouro esteve reunido com os gestores da unidade fabril, que elogiaram as condições climáticas e a qualidade de solos naquele território, para desenvolver o cultivo da “Espécie Egípcia” de algodão, actualmente importada a partir da República da Zâmbia.
O ministro considera imprescindível o diálogo entre os produtores e empresários locais, de modo que os processos produtivos e venda da produção seja feita com o mínimo custo possível.
Em 2018, o Governo do MPLA (o único que o país conhece a governar desde a independência) pretendia avançar até final desse ano com um plano de reconversão da economia informal, que sustenta 75% da população, fomentado, entre outras medidas, com a concessão de microcrédito e a criação de cooperativas. Tudo isto fora anunciado três anos antes por José Eduardo dos Santos.
O objectivo consta, aliás, do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aprovado pelo Governo e contendo um conjunto de programas com a estratégia governamental para o desenvolvimento nacional na actual legislatura.
No documento, o Governo estimava que o peso da actividade informal era “superior a 40% do total da economia nacional”, com implicações “não só no controlo e monitorização da economia, como também na receita fiscal”.
“Adicionalmente, os trabalhadores em regime informal não estão cobertos pela legislação laboral nacional, não usufruem de segurança social e estão sujeitos a instabilidade salarial. Sendo a economia informal determinante para cerca de 75% da população do país, justifica-se que o Estado implemente iniciativas que estimulem a transição desta economia de subsistência e familiar para modelos de economia formal, de forma a aumentar os índices de rendimento das famílias nestas condições”, lê-se no documento.
O Governo defendia então que, face ao quadro actual de informalidade da economia angolana, as sociedades cooperativas “constituem um tipo de organização empresarial que abrange as várias dimensões de redução da pobreza e exclusão social e que pode funcionar como uma transição para a formalização”, nomeadamente nas áreas rurais.
Em concreto, o plano governamental tinha como meta, até 2022, aumentar o número de Balcões Únicos do Empreendedor em funcionamento (BUE+) de 87 para 137, enquanto as cooperativas registadas nos sectores das pescas, comércio, transportes e habitação deveriam crescer a uma taxa média anual de 5%.
“Num contexto em que o emprego por conta própria é a fracção dominante da economia informal, limitando o crescimento das receitas fiscais e a normalização do funcionamento dos mercados, este programa visa contribuir para uma estruturação mais adequada do mercado de trabalho e para a criação de condições concorrenciais mais justas, em particular através do incentivo à regularização da actividade económica”, acrescenta a proposta governamental.
Eduardo dos Santos e as… cooperativas
Estávamos a 10 de Fevereiro de 2015. O Conselho da República, foi convocado pelo Presidente José Eduardo dos Santos para analisar a situação do país face à crise do petróleo, e exortou o Executivo a “apostar decididamente na diversificação da economia nacional”.
Ou seja, passou um atestado e matumbez à governação do MPLA, no poder desde a independência, pois de há muito que se sabe ser urgente diversificar a economia. Mas como (quase) todos são culpados pela institucionalização da petróleo-dependência, apresentaram a estratégia como correspondendo à descoberta da pedra filosofal. Mais ou menos como volta hoje a fazer o Governo de João Lourenço.
Para ajustar as contas públicas, e além de rever a cotação esperada para a exportação do barril de petróleo de 81 para 40 dólares, a revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2015 preparada pelo Governo do MPLA, sob a liderança de Eduardo dos Santos, igualmente presidente do MPLA e da República, cortava um terço do total da despesa pública para esse ano, entre outras decisões.
“O Conselho da República considerou como sendo positivo o conjunto de medidas adoptadas pelo Executivo, tendo sugerido que se deverá apostar decididamente na diversificação da economia nacional e na consequente redução do peso do sector petrolífero”, apontava o comunicado final, lido no Palácio Presidencial, em Luanda, pelo então procurador-geral da República do MPLA, general João Maria de Sousa.
Apresentando a estratégia como inovadora, os conselheiros tentam passar aos angolanos também um atestado de menoridade intelectual e de estupidez geral. Mas nós não vamos nessa. Há muito que muito boa gente já exigia o que agora se apresenta como inevitável.
Um “maior rigor na implementação do OGE e no combate ao desperdício e má gestão”, mas também a “melhoria do ambiente de negócios”, eram outras medidas preconizadas pelos conselheiros. Não. Isto não foi dito agora por João Lourenço. Estamos a recordar 2015 e José Eduardo dos Santos.
Ou seja, sugeriam em 2015, tal como o fizeram repetidamente noutros anos, aquilo que a sociedade civil e os partidos da Oposição há muito reivindicam mas que, de uma forma clara, sempre esbarrou na empedernida couraça da ditadura elitista do MPLA.
Durante a reunião do Conselho da República, esclarecia o comunicado final, o ministro das Finanças, Armando Manuel, prestou ainda informação aos conselheiros sobre a situação económica e financeira do país, “tendo concluído que o estado da economia angolana é sólido”.
“E que a estratégia do executivo para fazer face à situação assenta em medidas de natureza monetária, cambial e fiscal, que irão assegurar o cumprimento dos objectivos preconizados no Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017”, afirmava o comunicado final.
Acelerar a revisão da lei do investimento privado e implementar a lei das cooperativas para garantir o aumento da oferta interna, foram sugestões apresentadas pelos conselheiros, onde se incluem os líderes dos quatro partidos da oposição com representação parlamentar.
Repararam? 2015, Fevereiro: Implementar a lei das cooperativas para garantir o aumento da oferta interna.
O algodão não engana
Angola já foi nos anos 70, em pleno domínio colonial, um dos maiores produtores e exportadores de algodão, situação que – como muitas outras – não soubemos preservar e até ampliar, sobretudo graças a quem nos gere desde 1975, o MPLA.
Sérgio Santos não se lembra (só nasceu em 1978 e não quer conviver com a verdade), mas Angola foi, até ao início dos anos 60 do século passado, essencialmente um reservatório de matérias-primas por explorar, como um diamante em bruto que esperava a lapidação. Mas em 1961 as coisas mudaram e as indústrias até aí adormecidas começam a acordar para o mercado. Com o território aberto para os investimentos nacionais e estrangeiros o caminho começou a desenhar-se. As primeiras indústrias a ganhar relevo – ainda que progressivamente – foram as do ferro e do petróleo, que conseguiram um lugar de destaque junto dos chamados produtos tradicionais, como o café e os diamantes.
O ferro principalmente, uma vez que se começou a investir em novas infra-estruturas, nomeadamente transportes (como os caminhos-de-ferro), indústrias extractivas e transformadoras. Foi no início dos anos 60 do século XX que o Planeamento Mineiro deu os seus primeiros passos em Angola, sob o impulso do engenheiro José Quintino Rogado, Catedrático de Preparação de Minérios do Instituto Superior Técnico e Director Técnico da Companhia Mineira do Lobito.
Nessa época surgem as primeiras tentativas de modelização dos recursos minerais metálicos a partir da geo-estatística. A importância da Companhia Mineira do Lobito na economia de Angola era extremamente significativa: o valor médio anual da produção de minério de ferro no período 1968/1973 correspondia a 22.8 % da indústria extractiva e a 9.4% do total das exportações, o que levava a que este produto se posicionasse em terceiro lugar (a seguir ao café e aos diamantes) no ranking da economia de Angola, durante a derradeira fase colonial, em que a produção dos concentrados de ferro cresceu ao ritmo de 23% ao ano.
A Companhia Mineira do Lobito foi fundada em 1957 e logo assumiu a extracção de ferro na Jamba, Kassinga e Chamutete. Esta companhia cedeu depois as actividades à Krupp alemã, que também funcionava com capitais da Greg-Europe Belga e do Japão.
Referem ainda os dados disponíveis que a quantidade de exploração anual, incluindo a produção geral nas províncias de Malange, Bié, Huambo e Huíla, atingia a média de 5,7 milhões de toneladas em 1974. A maior parte do mineral era exportado para o Japão, Alemanha e Grã-Bretanha, que pagavam a Angola 50 milhões de dólares norte-americanos ao ano, a preços constantes.
O potencial mineiro do Moxico também alimentava nesta altura a indústria extractiva do país. Cobre, ouro, volfrâmio, diamantes, manganês e urânio eram transportados pelos Caminhos-Ferro-de Benguela para o porto de Lobito.
O Moxico nasceu à sombra do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) e cresceu como entreposto comercial até se tornar no mais importante centro da região. Na época colonial, a capital da província, o Luso (actual Luena) albergava uma das estações principais do CFB. As locomotivas, que transportavam milhares de toneladas de materiais, metais preciosos e produtos agrícolas entre o porto do Lobito, na costa Atlântica, e povoação fronteiriça de Luau, na parte oriental do país, faziam escala no Luso para se abastecer e depositar mercadorias. Ao mesmo tempo, Kassinga, na província de Huíla, era a jóia da coroa da metrópole na época colonial. As minas desta cidade do sul de Angola abasteceram a Siderurgia Nacional com 985 mil toneladas de minérios para transformação.
Rica em ferro e manganês, os minerais eram transportados pelo ramal ferroviário até ao porto do Saco-Mar. E daqui seguiam para a Siderurgia Nacional, no Seixal, nos arredores de Lisboa. O Porto do Saco-Mar, concluído em 1967, possuía uma ponte constituída por betão assente sob fiadas de estacas. Mais tarde, seguiu-se a construção de um local com profundidade suficiente para receber navios de grande porte.
A Siderurgia Nacional (Portugal) era quase sempre o destino dos minerais angolanos. Inaugurada em Agosto de 1961, o complexo industrial produzia 230 mil toneladas de gusa (produto resultante do minério de ferro pelo carvão ou calcário num alto forno), 140 mil de escória, usada em aplicações como balastro de estradas, construção civil e fabrico de cimentos. Na área da aciaria, a produção anual era de 300 mil toneladas de aço bruto, e na laminagem, onde era transformado o aço, produzia-se 150 mil toneladas de aço para betão.
Sem os minérios de Kassinga a produção em Lisboa nunca teria atingido estes valores. Quase dez anos depois, no início da década de setenta a taxa de crescimento da economia angolana atingia níveis elevados fruto das modificações verificadas entre 1960 e 1972, a progressão da produção das indústrias extractivas nos dez anos anteriores. Esse crescimento foi particularmente visível – entre 1960 e 1972 – nos diamantes, ferro e petróleo, sendo que entre 1962 e 1968, a taxa de crescimento das indústrias extractivas foi de mais de 170% (cerca de 28% por ano) com preponderância para o ferro.
E mais: entre 1968 e 1969 as vendas de ferro duplicaram. Foi neste sector — onde se encontrava o essencial dos investimentos estrangeiros multinacionais — que houve a maior expansão no período de 1960-72. Por exemplo, entre 1960 e 1972 a produção de minério de ferro passou, em números redondos, de 660 mil toneladas a 4.830 mil toneladas. O ferro estava em alta: durante esse período o minério era o principal produto exportado de Angola sendo que um importante conjunto de minas de ferro estava localizado nas Províncias do Huambo e Huíla, dentro da bacia do rio Cunene.
A última mina em exploração situava-se em Kassinga, Huíla, tendo cessado a extracção durante a guerra civil. Nessa altura as plantações existiam sobretudo na parte noroeste de Angola com especial destaque para a produção do café, seguida do algodão e do açúcar. As minas existiam sobretudo na parte noroeste de Angola, para a extracção de diamantes, e na parte sul de Angola – planalto de Huíla e Cuando Cubango – para a extracção de minério de ferro. Em 1973 as principais exportações eram ainda o petróleo (30%), café (27%), diamantes (10%), minérios de ferro (6%), algodão (3%) e sisal (2%).
Enquanto província ultramarina de Portugal, até 1973, Angola era auto-suficiente, face à diversificação da economia.
Era o segundo produtor mundial de café Arábico; primeiro produtor mundial de bananas, através da província de Benguela, nos municípios da Ganda, Cubal, Cavaco e Tchongoroy. Só nesta região produzia-se tanta banana que alimentou, designadamente a Bélgica, Espanha e a Metrópole (Portugal) para além das colónias da época Cabo-Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
Era igualmente o primeiro produtor africano de arroz através das regiões do (Luso) Moxico, Cacolo Manaquimbundo na Lunda Sul, Kanzar no Nordeste Lunda Norte e Bié.
Ainda no Leste, nas localidades de Luaco, Malude e Kossa, a “Diamang” (Companhia de Diamantes de Angola) tinha mais 80 mil cabeças de gado, desde bovino, suíno, lanígero e caprino, com uma abundante produção de ovos, leite, queijo e manteiga.
Na região da Baixa de Kassangue, havia a maior zona de produção de algodão, com a fábrica da Cotonang, que transformava o algodão, para além de produzir, óleo de soja, sabão e bagaço.
Na região de Moçâmedes, nas localidades do Tômbwa, Lucira e Bentiaba, havia grandes extensões de salga de peixe onde se produzia, também enormes quantidades de “farinha de peixe”, exportada para a China e o Japão.